Algum lugar do oceano, de um ano qualquer,
Minha Pequena,
Estão me mandando ao encontro do inferno, a ante-sala da minha morte. Não precisava ser assim. Eu recusei, assim como todos que eu conhecia o fizeram. Eles não terão um destino como esse. Muitos que eu conheço, para não serem descobertos, se refugiaram no interior. Outros arranjaram atestados falsos alegando incapacidade física. E alguns cães – como eu – não tiveram a mesma sorte (ou esperteza, se assim preferir chamar).
Você sabe apenas olhando nas faces dos meus companheiros, Minha Pequena, que este caminho que nos fora destinado será a provável parada final das nossas vidas. Ninguém ainda chorou desde que partimos. Talvez estão guardando o pouco que restam de si para terem uma chama de esperança. Gastei tudo o que eu pude no nosso último encontro – se lembra do meu sorriso amarelo? Sem graça? – e esses animais nos tratam feito vira-latas. Eram para eles estarem sentados nos nossos lugares, e não nós!
É essa prepotência de quem está no comando que me revolta, Minha Pequena. Eles mandam e desmandam sem respeitar as vidas que mutilam e os lares que separam. Só porque alguém não se contenta com o poder que tem e, para conseguir mais e mais, ludibriam e manipulam milhares de almas. O que justifica toda essa empreita se não esse necessidade louca de posses? Bando de porcos... São todos lacaios do mesmo mal que os corrompem. Cegos e burros com esses sonhos narcísicos tolos...
Lembra-se quando segurei-lhe em meus braços? Disse todas aquelas tolices e você calava-me com seus lábios? Sinto como se eles estivessem a beijar minhas aos e acalmassem a raiva que eles passam... Estará deita em sua cama ao ler o que parece ser as minhas últimas palavras? Queria ver o teu olhar sonso uma vez mais... Mas com mil demônios, já nos bastava o seu pai não acreditar no meu futuro e vem uma carta qualquer a chamar-me para o rebanho o qual nunca quis participar!
Espero que esta carta chegue em suas mãos sem nenhuma notícia que eu não tenha sido escrita por mim. Deus abençoe a nós e amaldiçoe quem nos separou.
Do sempre amado seu,
Lucas Macedo Lopes
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