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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

[O Xadrez e O Eu]



-Mais sorte na próxima!

Engraçado, sempre eu perco para esse senhor. Não consigo ser mais ágil que ele. Sempre vestido com alguma camisa listrada; alguns botões fora das suas casas, deixando a mostra o que o tempo fizera com os poucos pelos que cobrem o seu peito. Os óculos diziam, sem palavras, que necessitavam de um bom descanso, pois a sua função já fora cumprida há tempos.

Costumava jogar quando tinha 14, 15 anos e não era um dos melhores jogadores. Para alguém jogar como aquele senhor, deve levar anos para se chegar com aquela perspicácia. Nem quando assistia aos campeonatos que eram organizados no meu saudoso Colégio Rui Barbosa. Mas a destreza com que ele movia as peças era incrível.

-Está pronto para mais uma lição?

-Não, não – falei em meio as minhas risadas – Tenho que ir para a minha casa, não almocei ainda e já são quase três da tarde...

- Sem problemas meu filho, ainda iremos nos ver amanhã, não é?

- Com toda a certeza! Eu não dispenso uma boa partida de xadrez!

Arrumei as minhas peças, coloquei-as dentro da maleta do tabuleiro e fui caminhando em direção à minha morada. Não é bem um apartamento: um modesto cubículo, para ser franco. É uma construção antiga, aparenta ter sido construída na Fortaleza da década de 70, ou quem sabe 80. As paredes externas são devidamente ladrilhadas com cores de tons claros, mas a sujeira costuma esconder a verdadeira beleza do antigo edifício. Quatro andares, sem elevador, como era de praxe, para que o preço de cada cela (como os meus amigos costumam chamar o meu lar) não encarecesse o condomínio.

No carnaval, a cidade parece deserta, só você perambulando pelas ruas, sem se preocupar em olhar por cima do ombro, certo ar de tranqüilidade de cera. Deparei-me com os portões que dividem o caos urbano da calma aparente.

-Bom dia rapaz!

-Opa! Já voltou da praça? – Falou surpreso o zeladora

-Não estava muito disposto para continuar a jogar...

-Cansou de perder?

Rimos.

Um lance de degraus até o quarto andar e um amigo meu fica com falta de ar. “Asmático, talvez” diriam quem não o conhecesse, mas é que a sua obesidade preocupa a mim e a ele. Ele está na fila do SUS para conseguir uma redução de estomago. Até lá, o acompanho em algumas atividades físicas mais diversificadas, como andar, arriscando de vez em quando uma corrida. Cansamos do levantamento de copo, podíamos até afogar em nossas mágoas no bar do Juarez, mas elas não morrem tão facilmente.

Sem querer, os meus pés vão de encontro às baratas que aparecem no corredor. Movimento involuntário que me acostumei. Não que eu estivesse ali para acabar com a praga, não há heroísmo envolvido ao ouvir o som da casca sendo dilacerada pelos Newtons que a minha perna imprime. Apenas o medo que move o meu corpo para que essa sensação não volte tão cedo.

Esparramei-me no sofá-cama.

A melhor sensação de se estar em casa é deitado naquelas almofadas. O balcão dividia a parte da cozinha do resto dos outros cinco metros quadrados, dividos respectivamente com um par de cadeiras forradas com palhas, um aparelho de rádio com um daqueles modernos sistemas de Toca-Discos e o meu sofá. Meus livros ficam espelhados pelas prateleiras improvisadas pela sala. Um deles é usado como encalço do meu antigo sofá.

Mas não tenho o que reclamar. O vizinho de cima é um casal de idade, ruídos são raros de se ouvir. No meu corredor, ou são senhoras de idade, ou é alguém que não tem aonde cair morto e foi parar ali por falta de opção. Não que eu reclame do meu covil ou dos que me rodeiam, pelo contrário, aquele lugar satisfazia as minhas necessidades, não há motivos fortes para reclamar.

Sentei-me em uma das cadeiras e arrumei as peças do meu tabuleiro. Era intrigante o modo com que o senhor sempre me derrotava. Durante semanas remontei jogadas e descobri falhas que logo eu corrigia. Mas uma tarde jogando, sempre vejo que há alguma brecha que é usada contra mim.

-E se eu for por aqui...

E passei alguns minutos contemplando as peças arrumadas, o rei das peças brancas em xeque pelo meu bispo e um peão.

-Engraçado...

Fui até o as dependências da minha modesta alcova, com o branco das paredes amarelando com o tempo e descascando, deixando quase nuas as imperfeições que o tempo deixou por todos os lados. Despi-me e coloquei as minhas roupas em um canto próximo a minha cômoda. Olhei para os livros que ficaram para serem estudados ontem. Psicologia não é ruim, mas a teoria parece tão densa as vezes.

Olhei pela a janela, com as venezianas de madeira comida pelos cupins, e pus a admirar o branco das nuvens contrastando com o azul límpido do céu de um dos mais calmos domingos que você pode encontrar ao decorrer um ano. A moldura de madeira contrastava com os prédios que surgiam ao fundo e com as casas próximas, lembrando uma paisagem provinciana. Há hábitos que não mudam com o passar do tempo.

Um banho frio era o que eu estava precisando. Soube no instante que senti as gotas gélidas passarem pelo meu corpo. A preguiça costuma tomar conta de mim antes de entrar embaixo do chuveiro. Uma vez banhado, a preguiça some e cede espaço a mais para que eu possa raciocinar e pensar nas coisas cotidianas. Perca de tempo para alguns, mas passatempos têm-se aos montes.

Procurei no fundo do meu armário, perto das fotografias, e ao lado dos papéis de presentes guardados por anos a fio, um disco de um colega meu de faculdade. Um verdadeiro bolachão: Meddle do Pink Floyd. Magnífico era a palavra mais usada por ele para descrever o conteúdo. Ele me emprestara o álbum do pai dele para mostrar o poder musical dos 23 minutos Echoes.

Olhei para o tabuleiro novamente, para as peças que caíram em combate para atingir o objetivo do comandante. Uma torre, os dois cavalos, por pouco o rei não ficara viúvo e quatro peões.

Peão.

Era isso que sempre fora, o peão que é bucha de canhão, aquele que é sacrificado.

Mas como não pensara naquilo há mais tempo?

Na verdade, somos todos peões de um mesmo tabuleiro lutando uns contra os outros. Não importa o credo, etnia ou pátria amada, nós vivemos em meio aos conflitos dos interesses alheios, pois são eles que fazem com que as peças se movam e deixem o rei (no caso, os objetivos de cada um a serem conquistados) em xeque-mate. Observemos a nossa vida como se fossemos peões. Estamos na linha de frente, para dar forma aos sonhos e desejos que temos. Atrás estão as peças mais importantes, ou ideais que cada um carrega. É guarnecido pelas sombras delas que podemos nos espelhar para seguir em frente.

Mas a cada movimento que acontece, reviravoltas são inevitáveis. Nossos primeiros obstáculos são fáceis e simples como os peões adversários, mas qual seria a graça se fosse sempre assim?

Dependendo dos sonhos de cada um, - que é o que nos difere quanto à posição dos peões – será definindo se seremos aquele que se despede logo no inicio da partida, ou então que da suporte para uma jogada maior, mas, e quanto a nossa capacidade de realização? Partindo do pressuposto de que o peão só pode seguir em frente, logo não há um porque para querermos dar meia-volta (ou, para os mais temerosos ou com algum outro tipo de receio, querer parar no meio do tabuleiro sem arriscar).

Logo, um dos objetivos do peão é chegar ao outro lado do tabuleiro. Qual será a sua recompensa por tamanho esforço? Transformar-se em uma rainha. Ampliam-se os horizontes, visto que o peão pode andar apenas uma casa para frente e derrotar alguém quando estiver em sua diagonal. Entretanto, a rainha pode mover-se em todas as direções, andar quantas casas quiser. Querer jogar apenas com esse “peão promovido” é querer alimentar seu superego. Não é à toa, que se fosse depender apenas dele, toda a sua tática fora jogada fora.

Não se deve esquecer quem você fora outrora, pois você servirá de exemplo para alguém, e é provável que essa pessoa a use para completar o seu tabuleiro, espelhando-se naquele peão que agora se transformou em uma rainha. Não deves pisar nos peões que ainda sobram e sim guia-los para conseguirem os seus objetivos. Mas a nova majestade não deve esquecer daqueles sonhos que foram deixados pelo caminho, ou das táticas que foram errôneas. Elas servem de exemplo e aprendizado, para não deixar que os erros se repitam. Da mesma forma que evoluímos de hierarquia no xadrez, não esqueçamos do que nos faz indivíduos: As nossas mentes!

Devemos buscar evoluir mentalmente, amadurecendo com as experiências e novos ideais, para assim podermos apagar os sonhos do mundo da fantasia e transformá-los em realidade.

Xeque-mate.

-Amanhã veremos quem ganhará!



por Lucas Arts




~/Ł/~

3 comentários:

MARLO RENAN disse...

"Digníssimo!"
Não há outra palavra que descreva melhor este belo texto que saiu de suas hábeis mãos!

Edu disse...

fiquei supreso...

Luana Silva disse...

Muito interessante mesmo, o texto. Tão bom quanto Machado de Assis e muitos outros escritores da literatura brasileira. Não sabia que conheçia alguém que escrevia tão bem assim. :)

O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós - Jean-Paul Sartre