Google
WWW http://lucasmlopes.blogspot.com

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

[Toilette]


Naquela posição ainda não deu para evitar. Com as mãos apoiadas na divisória sentia o gosto amargo e o cheio desagradável indo de encontro ao vaso. Se não bastasse isso, a descarga nem fora pressionada pelo usuário anterior. Afinal, quantos são os que deixam um banheiro em um estado deplorável como esse? Difícil é encontrar um em estado decente para uso. Como não há escolha, meu vômito não exige fineza nem pobreza. E eu que tenho que agüentar seus caprichos, como meus malabarismos para que não haja manchas na minha roupa.

- Ta tudo bem? – indaga o servente que entrava no recinto.

Minha resposta? Mais um movimento sonoro na garganta e mais uma onde para fora de mim. Estou precisando maneirar. Não posso nem falar direito que estas dores se apoderam de mim. Seu movimento? Apenas o som molhado do esfregão passeando próximo aos boxes. Ele pareceu não se preocupar realmente com o meu estado. Seu olhara ora pousava em mim, ora pousava sobre o chão.

Tentei me recompor. Respirei. Um suspiro profundo era a esperança de não provocar mais. Já vi o fundo do poço algumas vezes, mas nunca tão perto. Dei a descarga e vi a clareza da água voltar ao seu normal. Virei. Fui descansar minhas mãos sobre a pia. Esse esfregão indo de um lado ao outro, talvez consciente do destino que o aguarda no boxe que acabei de deixar.

- Já vi casos piores ao seu. Bebida? – perguntou sorrateiro;

- Não, não – pelo menos não perdi a minha voz – não se foi algo que eu comi...

- Que comeu? Desculpe a minha intromissão mas, vestido como está, numa região como essa? Ainda tem pano para guardar algum dinheiro?

Verdade. Eu não estava bem apresentável para ninguém. Minhas calças sujas de terra e meu terno caquí ligeiramente rasgado. Não, hoje não será meu dia. Minha cabeça nem sabia se estava no lugar.

- Disse comida por achar o mais provável

- Hum – resmungou sem soltar o esfregão e encarando a sujeira que deixei.

Passamos meio minuto em silêncio, o que mais pareceu meia eternidade.

- Não vai dizer mais nada?

- Eu? E tenho pra quê? Faço este trabalho há doze anos e você contribuiu com esse prêmio pela minha dedicação!

Olhei para meus olhos cansados no espelho, me voltei ao vaso sanitário e o encarei.

- Todos tem dias ruins...

Ele não comentou. Abri a torneira e comecei a lavar o meu rosto.

- Mas se acha que estou ofendido, engana-se. É como eu já disse: já vi casos piores. Não é bebida? Exagerou na felicidade, tomou alguma verdade na cara ou foi uma dose extra de preocupação?

O que um zelador, em pleno banheiro público, quer querendo saber da minha vida? Nada normal acontece. Meu cabelo desgrenhado no espelho. Fechei meus olhos.

- O que está sentindo?

Sentir. Eu ainda consigo sentir?

- O mesmo que em todos os lugares que freqüento: Mofo.

Lucas Macedo Lopes

9 de janeiro de 2009

~/Ł/~

2 comentários:

Luana Silva disse...

faz um livro, faz um livro!

MARLO RENAN disse...

Texto ousado, até irreverente.
;D

Uma misura de universos: F. Scott Fitzgerald e Charles Bukowski.

:D

O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós - Jean-Paul Sartre