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quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

[Pinot Noir, querido?]



Ainda passei um tempo incrédulo olhando para o telefone.

Não que isso não fosse nada de mais, afinal, era só um telefone velho. Mas ainda não acreditava que isso era verdade. Há causos que nós costumamos ter notícia, mas não passa mais do que uma informação que é armazenada na nossa memória. Mas vivenciar um desses acontecimentos é como um turbilhão de acontecimentos repentinos na mente sã de um indivíduo.

Fiquei ainda um bom tempo esparramado no velho sofá-cama do meu apartamento. Era uma sexta-feira, que tinha tudo para ser mais uma daquelas com um bom “Happy Hour” ao final do meu expediente, mas parece que alguém virou a minha mesa.

O suor ainda me deixava úmido, e não pretendida - tão cedo - abotoar a minha camisa. Estava um pouco abarrotada. Depois de correr atrás de dois ônibus e em meio a um aguaceiro que se abateu na cidade, nem os Classificados do jornal puderam amenizar as gotas sobre mim. Conseqüentemente minha camisa, como o resto de mim, já viram dias melhores.

- Isso é uma porra...

A chuva ainda pareava sobre as janelas do meu apartamento. As resmungas eram os únicos sons audíveis que eu escutei durante quase uma hora. Os tons marrons do sofá iam se multiplicando à medida que ele absorvia o suor e a água do meu corpo encharcado.

Casais discutem, uns mais outros menos, mas ela não deveria ter chegado a esse estremo. Estávamos tão bem, depois desses mais de quatro anos juntos. Só pode ser uma brincadeira, uma miragem moderna. “Sonha Alice!” é a frase mais propícia para essa hora.

Levantei-me e fui pegar o vinho que estava na geladeira, o qual havia aberto e degustado ao lado dela, ontem. Sempre vinha com o seu jeito gracioso e reclamava do meu apartamento. “Simples demais”, “esta tudo tão desorganizado como sempre!”. Sempre sorria ao escutar esses comentários. Nunca me incomodei com o meu pequeno apartamento, afinal, estava juntando dinheiro para o nosso casamento e o nosso futuro apartamento.

E a parede veio ao encontro da garrafa, que por uma ironia do destino – ou quer força misteriosa seja – saiu da minha mão impulsionada pelo meu bíceps, coracobraquial, tríceps e ancôneo (todo esse palavreado e mais alguns outros termos do meu braço esquerdo, que aprendi na faculdade de medicina). O belíssimo Pinot Noir transformou-se em vários cacos de vidro regados ao vinho que ainda sobrara. É nessas horas que eu vejo que um bom vinho não combina com o vidro e o pó da minha morada.

“Siga o caminho do Adriano: Acabou com um relacionamento, por razões diversas, que durava mais de seis anos e está indo todo final de semana para festas!”. Isso é o que a minha razão fica me dizendo, mas o que eu sinto não admite, assim como a minha parte sã.

O vinho respingara na foto que havíamos tirado nas praias do litoral sul. O tom rosado que ficou espalhado pela foto me chamou a atenção. Não que eu nunca tivesse percebido antes. Mas, assim como o vinho pincelou uma nova imagem naquela que já havia, as brigas vêm para que os casais se reciclem e fiquem melhores.

A angústia que tomava conta do meu ser, agora se esvai em meio a um sorriso. “Um bom banho, isso é o que eu preciso agora”. E em meio a um alívio e moleza, dirigi-me ao banheiro, despi-me, olhei-me no espelho e balancei a cabeça. “Engraçado como a vida acontece.”. Era o pensamento que mais voltava para minha mente.

O suor e a água da chuva deram lugar a uma boa toalha, com a qual me enxuguei e, depois de colocado o meu bom e velho calção, me deparei com o telefone fora do gancho sobre o sofá. Tratei de colocá-lo no seu lugar. Mas que surpresa: o mesmo começou a fazer o seu “Trim, Trim” de costume. Antes de pronunciar os meus cumprimentos, uma voz tão conhecida entra pelo meu ouvido:

-Pensei que você estivesse fora de casa ou com o telefone cortado!

Sorri.

-Não precisava ter sido tão bruta agora a pouco amor!

Por uns instantes, só ouvia a sua respiração, e tendo a certeza de que corara.

-Me desculpe querido, o dia hoje foi um pé-no-saco.

Felizmente.



por Lucas Arts



~/Ł/~

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O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós - Jean-Paul Sartre