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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

[Dama de Preto]


O tremor do onibus não me deixava cochilar. Era um balançar tão grande que era capaz de conseguir um galo só de tentar escorar minha cabeça no vidro. O sol, quente como sempre, não deveria ter se atrevido a aparece hoje. A chuva estava tão agradável, o clima tão ameno. Mas aqui estou a caminho do outro lado da cidade.

Passei pela catraca enquanto entrávamos no terminal. Pelo horário até que estava vago. O número de lendas urbanas não era tão grande assim para me fazer contar aos que eu visse até o final do dia. Paciente, aguardei o próximo tormento me conduzir até a casa do Arraes. Não era grande coisa: uma Brasília e um Gol 98 na garagem, paredes por pintar e várias caixas para serem empilhadas e arrumadas. É, amigo ajuda amigo.

O bafo do mormaço só era amenizado pelo vento da janela que entrava quando o motorista do ônibus queria chegar ao seu próximo ponto. Numa determinada hora, pela porta dianteira, um senhor subiu os degraus e se sentou ao meu lado. Ele era uma das pessoas mais “normais” que vi que haviam sentado ao meu lado. Não que a prostituta da quinta passada fosse feia ou que a estudante de faculdade – de todas as terças e quintas – fosse causar algum incômodo com aquela habitual pilha de bíblias estudantis. Era só um velho que não aparentava ter problemas.

Os meus? Este ônibus é um deles. Eu até conheci uma pessoas legais. A tia dos salgados que toda sexta passa pelo terminal? Ela é uma pessoa muito querida por todos, mas todas as minhas dores de cabeça... Não falo dessas dores por ter fulano ou beltrano me estorvando para conseguirem algo de mim. É só o cansaço de tudo. Eu até pensei em me mudar. Quando vi todos os incômodos com o Arraes com as questões da mudança, preferi me mudar só daqui a seis meses ou mais. Assim ele poderá me ajudar com a minha mudança...

- Calor, né? – comentou o senhor

- Um bucado, até – respondi num suspiro.

Uma parada brusca, três ou quatro desceram e um tanto outro subiu.

- Quer ver uma mágica?

- Mágica? – um senhor, que eu achava respeitável, agora vira um velho gagá?

- É sim, meu filho, não quer ver uma?

O ônibus seguiu a sua viagem e eu olhava para fora, tentando entender o que levaria alguém mostrar mágicas para outrem no coletivo.

- Tudo bem, qual é a sua?

Ele tirou um baralho, um tanto gasto, de um dos seus bolsos. Misturou um pouco as cartas com suas mãos enrugadas e me pediu para que eu escolhesse duas. Tomei ao acaso. Dupla de 10, um de ouros e o outro de espada.

- Meu filho, me devolva essas e tente novamente. Um par tão inconveniente só irá lhe trazer mais dúvidas que respostas.

- Ta... ta certo – o baralho nem de cartomante era e ele sábia que eu tinha um par nas mãos. Ele embaralhou mais demoradamente, ele procurava algo na janela contrária a nossa que eu não soube responder. Dessa vez não fora um par: rainha de espadas e um ás de copas.

- Acho que, se eu fosse você, beberia com o Arraes ao invés de ajudá-lo com a mudança. - Como assim? É o avô dele ali disfarçado ou é um desses malucos de ônibus? - Deixa eu te explicar, rainha de espadas significa mulher má e ás de copas significa declaração ou palavras de amor. Você está apaixonado por alguém?

- Eu... assim... – como é que eu falo algo assim para um doido da vida? – de certa forma, sim...

- Então esqueça, isso só irá lhe trazer decepção e certamente será traído. Eu não cobro pelos meus serviços mas, mesmo assim, tenha uma boa tarde! – e como sua idade não fosse empecilho, andou rápido, igual a um menino, em direção a porta, pulou na calçada e seguiu o seu rumo.

Olhei para as duas cartas na minha mão. Ás e rainha. Uma mão boa para se jogar em uma partida de poker mas não para ser seguido em vida. Que velho mais estranho.  Mais estranho sou eu em acreditar em uma bobagem dessas. Bobagem, bobagens... Quer saber? Deixei a carta de copas ser amassada pela roda do próxima carro que viesse. Encarei a dama de preto na minha carta. Ela será uma mulher tão má assim? Bobagem. É só uma carta mesmo. Bobagem em eu não acreditar.

Deve ser só mais uma bobagem dele. Ou minha. Ou não.

Ou bobagem.


Lucas Macedo Lopes

28 de janeiro de 2009

~/Ł/~


5 comentários:

Luana Silva disse...

Do jeito que vou mais pelo previnir do que remediar, acreditaria no senhor. Mas também arrisco mesmo sabendo das probabilidades de dar errado.. portanto, deixemos pra lá o que eu faria. Tome mais cuidado ao escolher onde sentar, Lucas, se não no próximo ônibus fazem sua memória desaparecer, ou sei lá. rs adorei o texto! beijos:*

Ana Luiza Valente disse...

Olha, sinceramente, ADOREI. Não sei se por que essa história é uma tanto mais interessante que outras, ou muito banal, mas é o máximo. Um dos meus favoritos, indubitávelmente.

Beijocas, Diplomata-escritor.

Ah, vou te mandar o começo do livro.

Karin Lisboa disse...

Caramba, Lucas! Tu escreve muito bem :O
Adorei teu blog. De verdade...
esse teu texto me fez lembrar eu mesma passeando pela cidade, de preferência debaixo de chuva, em um dia de domingo qualquer hehe

Enfim.. Gostei muito :D
beijooos

Luana Silva disse...

Lucas, coloquei um selo para você no meu blog. olha lá, ok?
beijo:*

Isadora Linhares disse...

Acho que ela não é tão má assim. E se for, o que importa?

O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós - Jean-Paul Sartre