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domingo, 23 de dezembro de 2007


[Belina 71 - As Curvas da Estrada de Santos]

I

- É, quem sabe.

Essas foram suas palavras em muito tempo. Não que o som do carro não fosse o bastante para quebrar o silêncio que reinava entre os presentes, mas ele havia pensado muito até ter dado aquela resposta. A estrada estava boa, não muito esburacada, transito leve, tudo o que um motorista desejaria, mais ainda sim faltava algo. O ar-condicionado há muito tempo parara de gelar, e estavam andando com as janelas abertas.

Mesmo assim, o silêncio dele a perturbava. O porquê da demora da resposta estava lhe ocupando a mente. Não era nada que demorasse muito. Já haviam discutido aquilo antes e ele não lhe queria responder. Falta de segurança? Ela não pensava assim. Depois de tudo o que passaram até chegar aquele ponto, insegurança era a sensação mais improvável naquele momento. Mas estavam tão bem até aquele ponto, por que não respondera com a devida rapidez?

O cheiro de gasolina ficava mais forte toda vez que a Belina 71 fazia as curvas. Ela já tinha se acostumado com o balanço do carro, mas aquele silêncio parecia ser o maior abismo que tiveram em muito tempo.

- Por que diabos você ficou enrolando?

- Eu? Eu não fiquei enrolando, apenas fiquei aqui, prestando atenção na estrada, tomando cuid...

- E quanto a mim? Por que agora fica evitando responder as minhas perguntas, como se estivesse escondendo algo?

Ele odiava esses momentos. Pensava que cenas como aquela só iriam se repetir depois de muito tempo, quando já estivessem se acostumando com aquela nova vida em Santos. Estava apreensivo. Mesmo depois de terem passado por Angra e estarem perto de Ubatuba, os assuntos que eram trocados estavam ficando diferentes. As perguntas bobas e costumeiras que ele estava acostumado a responder estavam ficando escassas. Estavam se transformando, ficando mais sérias e mais duvidosas.

- Só porque não respondi de imediato a sua pergunta, não quer dizer que eu esteja te evitando ou coisa parecida.

De alguma forma ela havia mudado. Não sabia quando foi isso, como isso começou, mas ela não era a mesma que conhecia. Já não bastava ter que se afastar de todos que conheciam por causa da sua mãe. Margarida era o seu nome. Mas quem disse que o nome de uma flor ia revelar a sua delicadeza?

“É a minha mãe” – costumava pensar – “mas por que ela te tornou tão rabugenta? Ela conseguiu se tornar uma das pessoas mais antipáticas que eu conheci. Nem mesmo minha irmã quer falar com ela; todos preferem se afastar a ter a sua companhia”.

- É o que está parecendo. Você está cada vez mais distante de mim sabia?

Por que ele estava tão insensível comigo ultimamente? Eu já o tinha perdoado por ter bebido tanto na festa do sábado passado. Até o havia acompanhado, olhando pacientemente a enfermeira colocar a injeção de glicose no seu braço. Por que temos que ficar brigando desse jeito? As vezes isso me cansa.

- Eu estou aqui ao seu lado, rumo a uma nova vida em santos, graças a promoção que você recebeu. Pronto para enfrentar os desafios que viram e você acha que eu estou distante?

-Você entendeu o que eu quis dizer.

Aqueles olhos fulminantes sempre me quebravam por dentro. Toda vida que ela faz aquela cara de indiferença, como se eu não significasse nada para a vida dela, me faz pensar o que eu não já tinha feito pra demonstrar o quanto ela significava para mim. Então sorri. Não sei como eu sorri, mas quis que ela soubesse o quanto eu gostava dela com aquele sorriso. Tentei não desgovernar o carro olhando para ela. Mas sempre que eu vejo aqueles olhos, eles me fazem tirar a atenção do que estou fazendo para pensar apenas nela.

Ela então sorriu de volta para mim. Um sorriso tímido, mas sorriu de qualquer forma. Fiquei mais aliviado. Ela ainda gostava de mim e isso era um bom sinal.

- Seu bobo – disse ela achando graça e me dando um beijo na bochecha.

Ele sempre fica tenso quando faço isso. Sempre pensa que a culpa de algo é dele, mas o que eu sinto por ele é recíproco. Ainda bem, se não, não faria sentido estar junto dele por todo esse tempo. Aparecia sempre, um aqui, outro ali, querendo que eu desistisse da idéia de passar a minha vida com um zero a esquerda. Mas ele mudou, e gosta de mim. Isso é o que importa para mim.

- Então, vai me responder não??

Olhei pra ela e o canto esquerdo dos meus lábios sorriu.

- É, quem sabe – falou ele olhando de relance para ela.

- Chato!

E a sua mão veio de encontro com o meu rosto. Levou algum tempo para que a marca dos seus dedos saísse da minha cara. Mas o sorriso dela demorou um bom tempo...



[Crédito da imagem: Amanda Fonteles
- mesmo que eu não tenha falado com ela
=)]
por
Lucas Arts






~/Ł/~


Um comentário:

MARLO RENAN disse...

Sensacional o recurso que você usou: alternar a primeira pessoa de acordo com o desenrolar da narração e os atos das personagens.
Fantástico! =D

tu me inspirou, é bem provável que amanhã mesmo eu faça algo parecido. ^^

Gosto desses contos humanos, que tratam do sentimento das pessoas e da reverência ao apego.

Abraço!

O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós - Jean-Paul Sartre